segunda-feira, 28 de junho de 2010

Bionetes III

Ricardo andava apressado abraçado a pasta de documentos como que protegendo um bebê seu. Felipe o seguia como uma sobra. Por vezes ultrapassava-lhe dizendo cochichos aos ouvidos. - Não adianta fugir Doutor, eu já saquei tudo. Vai me contar toda a história!
Ricardo tentava fugir, entrando em corredores estreitos, elevadores, e setores diversos, mas o executivo não lhe dava trégua. Todos por quem passavam estranhavam a cena. Felipe continuava a pedir a Ricardo que parasse, mas o doutor fugia como um filhote de gato do cachorro raivoso. Felipe perdendo a paciência, parou, enquanto via Ricardo distanciar-se, gritou: - Prefere que o Senhor Thing o interrogue, porque eu vou daqui direto pra sala dele!
Não foram mais de três passos que Ricardo deu após a ameaça. Virou-se lentamente de cabeça baixa e ou o olhar derrotado no executivo.

Horas mais tarde, a porta do laboratório se abria devagar, revelando aos poucos o conteúdo ao curioso visitante. Ricardo cambaleante, catou um jaleco do armário próximo a porta que jogou nos braços de Felipe. Este olhava o recinto com olhos de criança que vai a primeira vez a Disneylândia. Máquinas imponente, computadores de última geração. Era para ele um lugar surpreendente e talvez o mais bem equipado que já vira. Apesar de jamais ter entrado em ambiente semelhante, limitando-se, por restrição de acesso às partes administrativas da corporação e sequer imaginar que aquele era um dos laboratórios mais humildes da Biotec. Destinado a pesquisa com Clones pela ausência de resultados. Deleitando-se com as novidades, uma movimentação mais a frente chamou-lhe a atenção. Ao atravessar um pequeno acesso, deparou-se com um homem semi nu, de ótima aparência, jovem e atlético, de olhos fechados, posicionado de cabeça para baixo, apoiado apenas nos braços que juntamente com a cabeça formavam a base que o sustentava.
Ficou ali alguns segundos sem ser percebido, quando finalmente o homem abriu os olhos e levando um susto, gritou e perdeu o equilíbrio. Recuperado em seguida com destreza fazendo com que se posicionasse de pé rapidamente. O grito fez com Ricardo corresse naquela direção. Encontrando os dois homens olhando-se curiosamente. E ambos, buscando explicações viraram-se para o jovem doutor, que tratou de apresentá-los. - Este é Felipe, promissor executivo da Biotec, que veio nos ajudar com um probleminha de prazo. E este Felipe, é o Doutor Estênio.
O homem esbelto, agora trajando um roupão, aproximando-se de Felipe, estendeu e mão em cumprimento e acrescentou. - Imagino que deva estar surpreso! É para mim uma surpresa também vê-lo aqui, visto que temos aqui um projeto sigiloso (lançando um olhar firme sobre Ricardo). Mas suponho que sua presença seja de extrema importância, visto que quem o trás é dos maiores defensores de que este se mantenha no mais absoluto segredo. (retirando-se para outro cômodo) – Com licença, vou trocar-me!
Ricardo, começou a explicar-se ao homem que se retirara, mas Felipe, que paralisara desde a apresentação, soltou a voz num repente: - Você não o Doutor Estênio! Eu conheço o doutor, já o vi diversas vezes nas reuniões. Aliás, não há quem não o conheça no universo biotecnológico, após sua magnífica descoberta!
E levado por Ricardo testemunhou o homem deitar-se numa mesa alta de cirurgia, acoplar a cabeça um estranho aparelho e espelhar vários eletrôdos pelo corpo, em seguida acionar o botão de um painel localizo ao lado da mesa, repousar a cabeça e fechar os olhos.
Logo atrás da mesa, num espaço que não havia reparado, viu um senhor sentado numa poltrona com aparelho semelhante àquele que acabara de ver na cabeça, despertar lentamente. Este senhor, que ele logo reconheceu, retirou o aparelho e, depois de realizar movimentos de alongamento, dirigiu-se ao executivo, falando-lhe. - Agora sim, Estênio Martins, em carne, osso e cabelos brancos. Podem agora me explicar de que prazos são esses?

Aproximadamente três horas e muitas explicações depois...
- Então, o traíra do Thing me deu só três meses. Depois de tudo que o canalha lucrou às minhas custas... Reclamava, sentado a sua poltrona, com o neurotron no colo e um copo de whisky na mão, o Doutor Estênio.
- Talvez possamos rever isso! Lançou Ricardo, tentando passar otimismo ao cientista.
Ao que Ricardo, respondeu irritado. - Sim, se tivermos uma proposta que vá representar cifrões aos cofres da Biotec. Mas para isso precisamos encontrar alguma utilidade para a nova aplicação do neurotron, além de ajudar na yoga e demais atividades rejuvenescedoras que o doutor Estênio esteja experimentando. Outro dia peguei-o dançando balé...
Estênio retrucou. - Ora! Estava testando as capacidades do C3. Você verificou as últimas anotações, ele tem flexibilidade de bailarino, equilíbrio e força impressionantes. Aliás, tudo que imaginávamos sobre as potencialidades dos clones são realidades, conseguimos fazê-los perfeitos! Mais que isso sobre-humanos!
Felipe, interrompendo a explanação do médico, colocou com voz exaltada: - É isso!
Os dois cientistas pararam e prestaram a atenção ao rapaz, esperando a explicação. Felipe continuou: - Qual é o dos maiores desejos das pessoas?
Os doutores arriscaram. Primeiro Ricardo. - Poder?
Felipe balançou a cabeça, negativamente e olhou para Estênio que tentou: - Saúde perfeita?
O executivo tocando os ombros do experiente doutor, acrescentou. - Saúde perfeita, beleza, força, disposição, elas desejam atributos dos jovens. Rejuvenescer. Como foi para o senhor a experiencia de estar novamente num corpo jovem? - Maravilhosa. Atendeu o Doutor Estênio. E continuando. - Mas é temporário, eu não posso ficar no corpo do C3 por mais de seis horas, é arriscado para ambas as partes!
- Mas a experiência já não valeu? E quando valeria ao tetraplégico voltar andar, mesmo que por algumas horas? Imaginem as possibilidades para as pessoas que se encontram em coma.
- Isso nunca foi testado! - corrigiu o Doutor com mais idade.
- Mas podemos tentar! Acudiu o mais novo em favor dos argumentos do executivo. - Imaginem o frisson das peruas idosas milionárias, podendo novamente, ou pela primeira vez, ter a sensação de serem desejadas, e atrair a atenção dos homens? E os coroas impotentes, podendo outra vez satisfazer suas amantes de vinte anos? Gastam-se bilhões com cirurgias plásticas no mundo, substituição de órgãos, tecidos... métodos artificiais que têm prolongado suas vidas até uns duzentos anos. Mas em condições quase que de sobre vida, dietas, limitações diversas, às vezes até ficam até ligados em aparelhos, com restrição de movimentos. A maioria apresenta resultados razoáveis a curto prazo, mas nada se comparado a um corpo lindo e perfeito, novinho em folha! - e com os olhos brilhando continuou - Além disso, imagine poder sair por aí, com outra cara! …
Impostanto a voz e tomando ares de apresentador de comercial de televisão, Ricardo continuou seu devaneio: - Imagine um mundo onde humanos vestem humanos. Um corpo, uma fantasia, um disfarce. Todo dia pode ser o seu carnaval! Você pode tudo! Ser, fazer o que quiser! Com um corpo perfeito, jovem e belo... Imagine!
- Já chega! - Irrompeu num grito severo o Doutor Estênio. - Nunca ouvi tantos absurdos! Acha que minha criação vai servir de máscara para miliários vaidosos e safados realizarem suas fantasias? A isso se resumiria meu invento? Vocês só estão pensando no dinheiro, mas isso pode ser muito perigoso! Não podemos nos apropriar dos corpos dos clones e usá-los como marionetes... É doentio!
- Esse dinheiro pode salvar seus outros projetos... pense nas possibilidades...- Ricardo, tentou convencê-lo, ao que Estênio rebateu. - Não! Isso está fora de questão! Não quero ouvir mais nada! - Disse saindo do laboratório.

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