sábado, 26 de junho de 2010

Dissidentes do Mundo Invisível II

O Grande e antigo relógio da sala de jantar soava vinte e duas horas quando Amália, indignada, dirigiu-se pela terceira vez ao telefone. E novamente o que ouvia era a secretaria eletrônica. Detestava deixar recados em caixas postais de celular, detestava celulares, aliás, odiava muitas coisas relacionadas a tecnologia. Uma vez tentou aprender a usar o computador, mas acabou encontrando algo que a fez desistir.
Castro, seu marido, costumava deixar alguns relatórios de consultas no computador de casa, fazia por estar seguro de que ninguém os veria. Acreditava que a esposa jamais teria interesse em usar seu computador pessoal, sabendo de sua aversão a tal aparelho. E que mesmo que ela o usasse não se atreveria a ler documentos sabidamente sigilosos, como alertara o marido diversas vezes.
Mas o que o marido de Amália não sabia é que ela dera início a um curso de computação e resolveu fazê-lo às escondidas. Supostamente para fazer uma surpresa aos que duvidavam de sua capacidade para tal aplicação. Mas intimamente temia a pressão familiar. Certo dia ela resolveu usar o computador do marido para praticar exercícios do curso e encontrou os relatórios de consultas de pacientes do marido. Sabia que não devia lê-los, mas acabou cedendo à tentação da curiosidade como uma garotinha que desvenda um segredo proibido.
Procurava por algo intrigante, emocionante. Histórias curiosas de pessoas muito problemáticas... E como quem procura acha, o que Amália encontrou causou-lhe grande espanto. Dentre os relatórios médicos estava o de Luiza, uma paciente de 27 anos. Os relatos de Castro sobre as consultas dessa paciente em especial fascinaram sua esposa. Ela lia sobre coisas que falavam de pesadelos terríveis, com fantasmas, perseguições... Uma pobre mulher perturbada, Amália não tinha dúvida, pois nada lhe fazia sentido. O que lia era nada além de um amontoado de histórias fantasiosas, mas parecidas com um filmes de terror e suspense. Por isso sentia pena de Luiza e por vezes teve vontade de procurá-la,e confortá-la, abraçar essa pobre mulher solitária e doente. Mas foi durante uma de suas leituras secretas aos relatórios da paciente do marido que Amália leu algo que a fez mudar de opinião e desejar quem sabe até sua morte. Castro descrevia em aflito desabafo, sua paixão ardente, contida e secreta pela moça em tratamento.

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