sábado, 19 de junho de 2010

DISSIDENTES DO MUNDO INVISÍVEL

Castro estava quase chegando em casa para o jantar de aniversário da sogra quando o celular tocou, era Luiza. Há muito não fazia ligações fora de hora e acabara de estar com ela na seção de terça-feira. Pela estranheza da situação, apesar de ter um compromisso familiar tão importante, não resistiu, atendeu. Ela chorava muito, entre um soluço e outro pouco pode compreender do que dizia, ouviu algo sobre pesadelos e perseguição e foi o suficiente para trocar de rumo.
Quinze minutos depois Castro já tocava o interfone de Luiza, no terceiro e último andar de um prédio antigo as margens do Rio Sucupi, que naquela época do ano sempre extrapolava seu nível em virtude das fortes e incessantes chuvas, que se agravaram ainda mais de uns anos pra cá. De pé na portaria, aguardando ser atendido lembrou-se do que Luiza sempre dizia quanto a isso “é o aquecimento global, meu amigo” e sorriu com certo pesar por saber que ela estava certa.
O barulho do dispositivo que promovia a abertura da porta o assustou. A moça abriu imediatamente sem perguntar quem era, coisa que não costumava fazer em nenhuma circunstância. Era deveras desconfiada para isso, o que deixou o psicólogo ainda mais preocupado e fê-lo apressar-se até o elevador. Já no andar selecionado, foi surpreendido com a porta que se abria sem que sequer a tocasse, Luiza estava de pé a sua frente com o rosto inchado e o nariz vermelho de tanto chorar.
Ela se virou sem nada dizer, esperando que o amigo a seguisse até a sala de estar. Sentou-se no único sofá - vermelho e de dois lugares- que havia no ambiente, posicionando-se de frente para o puff de couro sintético esperando que ele lá sentasse. Ao fazê-lo perguntou a paciente sobre Atílio, seu namorado. Ela, sem responder, segurou sua mão do médico e soluçando baixo, disse: “está acontecendo de novo, Castro”.

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Na marina de Santa Bárbara, Augusto desatracava o iate de 65 pés quando o Doutor Rômulo Paz chegou. Chamava-o assim por uma questão de hierarquia e conveniência empregatícia, na verdade Rômulo sequer havia concluído o ensino superior. Ao menos assim conquistara a não-antipatia do difícil patrão. Rômulo era um homem imprevisível, de humor instável, podia de uma hora para outra ir do elogio a mais cruel humilhação de seus subalternos. Era um riquíssimo homem de quarenta e dois anos e a origem de sua fortuna não era segredo para ninguém, provinha do Instituto para Estudos da Evolução Espiritual criado pela esposa e o filho, além de outros investimentos na área imobiliária e de mineração. Com os quais ele pouco se envolvia, preferindo dedicar-se a suas verdadeiras paixões: náutica, viagens e o bem viver, de forma irrestrita.
Minutos depois de Rômulo, chegavam a Esposa, Viviane, o único filho do casal, Frederico e mais alguns convidados para visitar a ilha da família Paz na costa sul fluminense. Cerca de vinte pessoas, homens e mulheres da mais alta roda social da região. Augusto, o cuidador do barco, estranhava que um rapazote de treze anos se interessasse da companhia daqueles adultos sisudos. Apesar de saber, pelos quatro anos de serviços dedicados a família que Frederico sempre fora um menino maduro para sua idade. Desde de pequeno usava roupas engomadas, blazer de linho, camisa pólo... Não se recordava de ver o moleque de camiseta ou sujo de sorvete. Mas pelo menos era mais educado que os pais, sempre o cumprimentava e mandava recomendações a família. “Recomendações?” Augusto achava estranho o jeito do menino falar!
Não que Viviane fosse mal educada, geralmente o cumprimentava, mas de forma fria, ou melhor gélida, sempre com ar de superioridade. Era uma bonita mulher de 40 anos. Elegante e discreta trazia o cabelo loiro impecavelmente penteado, quase sempre em coque. Ela e o filho pareciam muito próximos, quase que telepaticamente ligados. Havia momentos em que o olhar de um bastava para que o outro compreendesse seu desejo e tratasse de providenciá-lo. O menino parecia nutrir mais que admiração pela mãe. E a mãe mais que amor pelo filho, uma quase idolatria. O pai, Rômulo era leal e compartilhava dos objetivos da família, mas certamente estava a margem daquela cumplicidade entre mãe e filho.
Todos abordo e servidos de champagne, whisky, vinho branco... Quaisquer bebidas que desejassem, naquele barco eles teriam. Além dos melhores pratos e canapés. Durante a viagem nada falavam além de amenidades, conversar normais para pessoas incomuns, pelo menos era assim que Augusto os via, dado o poder e dinheiro que possuíam. Mas ao ouvir suas conversar chegava quase a crer que se tratavam sim de pessoas normais, com problemas e anseios normais. Somente até chegar a ilha durou tal impressão.
Os dias que se seguiram foram repletos de reuniões a portas fechadas dentro do salão de festas da mansão fortemente protegido por dezenas de seguranças armados. Poucas aparições dos donos da casa e convidados para banhos de sol e almoços a beira da piscina. Dentro do salão não aconteciam festas ou comemorações de nenhum tipo, apesar de o salão possuir isolamento acústico, quando as grandes portas centrais se abriam para dar passagem a um ou outro convidado deixaria escapar som de música, acreditava Augusto. Mas o que se ouvia entre uma breve abertura e outra de porta eram vozes em uníssono, entoando algo que se assemelhava a uma oração, que Augusto ouvia a algumas dezenas de metros dali, da ala dos empregados. O menino Frederico foi visto certa hora da noite, saindo do salão onde se reuniam os ilustres convidados, carregado por um dos seguranças. Estava pálido e quase inconsciente.

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